O ano era 2017, e após uma longa jornada, conseguimos uma vitória, ao menos parcial, sobre o tema: Fernando de Noronha iria parar com a venda e divulgação do famigerado bolinho frito de tubarão, o então famoso Tubalhao. Ainda ecoam em nossas memórias os momentos de intensa mobilização que definiram uma era na conservação marinha brasileira. Nós, da Divers for Sharks, sempre soubemos que nossa missão ultrapassava a simples defesa de uma espécie; tratava-se de proteger o conceito fundamental de um santuário. Fernando de Noronha, o arquipélago mítico, o nosso tesouro azul, estava no centro dessa luta, servindo tanto como palco de uma beleza indescritível quanto de uma contradição amarga.
O paradoxo inaceitável que ameaçava o símbolo nacional
Noronha, desde sempre, representou o ápice do ecoturismo e da biodiversidade marinha no Brasil. Era o nosso cartão-postal, a nossa “Unidade de Conservação bandeira”, mundialmente famosa pela possibilidade de mergulho contemplativo com tubarões em seu habitat natural. No entanto, a crescente e silenciosa comercialização de uma iguaria local, o infame “bolinho de tubarão” — ou “tubalhau” —, jogava uma sombra de hipocrisia sobre todo o esforço de preservação.
A Hipocrisia gastronômica: tubarões vivos vs. tubarões no prato
A dissonância era ensurdecedora para qualquer pessoa com consciência ambiental. Como poderia um parque nacional marinho, um refúgio de vida selvagem, permitir que se vendesse, abertamente, a carne da espécie que se jurava proteger? A questão era mais profunda do que um simples item no menu; era a personificação de um fracasso ético, um sinal de que os valores de mercado estavam, perigosamente, se sobrepondo aos valores da natureza. O tubarão, peça-chave no equilíbrio da cadeia alimentar marinha, estava sendo transformado em um mero petisco descartável.
O Alarme soou no fundo do mar de Noronha
Mergulhadores, biólogos e profissionais do turismo de mergulho foram os primeiros a soar o alarme. Testemunhamos, com tristeza e frustração, a diminuição visível da frequência dos tubarões em pontos de mergulho que, até então, eram celeiros de vida. Nossos olhos, acostumados à opulência marinha, notavam a rarefação, um sintoma direto do caos da pesca descontrolada que assolava o mar brasileiro e que se refletia, de forma cínica, naquelas porções vendidas na ilha. O sinal era claro: estávamos perdendo a batalha silenciosamente.
Nós não podíamos cruzar os braços. A Divers for Sharks assumiu a frente dessa mobilização, transformando a indignação em um movimento organizado e vocal. Nossa campanha se concentrou em expor a contradição do “tubalhau” e em articular uma visão para o futuro: a criação de um verdadeiro Santuário de Tubarões em Noronha. Acreditávamos, e ainda acreditamos, que tubarões vivos valem infinitamente mais do que tubarões mortos, tanto ecologicamente quanto economicamente para o turismo da ilha.
O Apelo à razão e à ética em cada divulgação
A mensagem era direta, apoiada por argumentos irrefutáveis de conservação. Usamos o mote: “Por que em Noronha as pessoas vão para comer bolinho de tubarão? Porque ele é oferecido!” Este slogan simples, mas poderoso, confrontava a indiferença. Não se tratava de uma tradição cultural insubstituível, mas de um ingrediente facilmente trocável, uma conveniência comercial que estava prejudicando a imagem global de Noronha como um bastião da preservação. O peso moral de servir uma espécie ameaçada, especialmente em um Parque Nacional, era insustentável.
Para dar o peso institucional e a visibilidade necessária à causa, buscamos o apoio de entidades jurídicas e sociais influentes. O momento decisivo, que catalisou a vitória, foi a organização de uma Audiência Pública na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Rio de Janeiro (OAB/RJ). Este evento não foi apenas uma reunião; foi um tribunal de consciência onde a ética ambiental foi julgada. A presença da OAB conferiu à nossa luta a seriedade de um debate que envolvia políticas públicas e a responsabilidade legal perante a conservação.
(TV OAB RJ sobre o santuário de Fernando de Noronha)
A representação da Divers for Sharks no debate central
A mesa da audiência pública estava composta por especialistas, mas a Divers for Sharks teve a honra e a responsabilidade de apresentar o cerne da questão. Eu, Pinguim, e José Truda Palazzo Jr., nosso diretor, estávamos lá para falar em nome dos tubarões e do oceano. Nossa voz carregava o peso da comunidade de mergulho e dos ambientalistas que, há anos, clamavam por coerência em Noronha.
José Truda Palazzo Jr. foi incisivo ao enquadrar Noronha não apenas como um destino, mas como a “última chance do Brasil entrar no roteiro de mergulho internacional com tubarões” de forma proativa. Ele enfatizou que a criação de um Santuário não era um luxo, mas uma necessidade econômica e ecológica urgente. A proposta era transformar a ilha em um “polo irradiador de conservação e educação”, um modelo que o Brasil poderia exportar e do qual se orgulhar.
Na minha vez de falar, concentrei-me na imoralidade do “tubalhau”. Ressaltei que o problema não era complexo; era uma questão de substituir um ingrediente.
Argumentei que: “É no mínimo um contrassenso você matar, servir e comercializar num bolinho aquilo que você está defendendo e preservando. É antiético, é imoral.”
Apontei a contradição de um estabelecimento que ensinava sobre a importância do tubarão e, em seguida, o oferecia no menu. Deixei claro que a polêmica não era sobre o sustento da comunidade, mas sim sobre a teimosia em manter um símbolo de destruição em um local de preservação.
A força do debate e a unidade de vozes ambientais
A audiência na OAB/RJ foi um marco, reunindo advogados, ambientalistas, documentaristas (como Lawrence Wahba) e representantes de mergulho, todos unânimes na crítica ao tubalhau e no apoio à criação do Santuário. A pressão social, aliada à robustez dos argumentos jurídicos e ambientais apresentados, criou uma força política impossível de ser ignorada. O evento não deixou margem para dúvidas ou desculpas. A ilha precisava se alinhar à sua vocação de santuário.
O impacto daquela audiência pública foi imediato e transformador. A pressão da opinião pública, reforçada pela exposição dos fatos no fórum da OAB/RJ, fez com que os estabelecimentos de Fernando de Noronha, um a um, retirassem o famigerado “bolinho de tubarão” de seus cardápios. O anúncio não veio de uma única canetada federal, mas de uma autêntica vitória da consciência ambiental. A ilha, finalmente, parecia ter abraçado a coerência que lhe cabia.
A cessação da venda da iguaria representou um passo gigantesco em direção à concretização do Santuário de Tubarões. Embora a batalha burocrática e legal para o reconhecimento oficial do Santuário ainda tivesse etapas a cumprir, o arquipélago havia, na prática, se redimido de sua maior contradição. A partir daquele momento, Noronha podia, com a cabeça erguida, reafirmar seu papel como um farol de esperança e conservação no Atlântico Sul. O silêncio do “bolinho” era a prova de que a mobilização popular e a defesa ética da vida marinha haviam prevalecido sobre o lucro fácil e a hipocrisia.
A paz gastronômica e a vigilância contínua (onde estamos hoje)
Desde aquele evento histórico, a narrativa que circula no meio ambiente e no turismo é de que a ilha encerrou, definitivamente, a comercialização do “tubalhau”. Este é o nosso sucesso, o resultado do esforço conjunto e do debate público que promovemos. A vitória foi alcançada: o prato que simbolizava a destruição foi banido da mesa de Noronha. No entanto, em questões de conservação, a vitória de ontem não garante a segurança de amanhã. É essencial que mantenhamos a guarda alta.
O capital e a busca por lucros rápidos têm uma memória curta. Pequenos estabelecimentos, novos empreendedores desavisados, ou mesmo o esquecimento coletivo podem, um dia, tentar reintroduzir o “bolinho de tubarão” em algum canto menos visível da ilha. O sucesso da nossa campanha foi baseado na transparência e na pressão popular, e é exatamente essa vigilância que precisamos manter acesa. A preservação de Noronha é uma responsabilidade compartilhada, e não podemos depender apenas de órgãos de fiscalização que, muitas vezes, estão sobrecarregados.
É por isso que a Divers for Sharks lança um apelo direto a você, nosso amigo e defensor dos oceanos. Se você planeja visitar Fernando de Noronha, ou se conhece alguém que irá, sua viagem agora carrega um propósito extra, uma missão de vigilância ambiental. O Santuário de Tubarões existe porque lutamos por ele, e ele permanecerá intacto se continuarmos a defendê-lo ativamente. A beleza da ilha é um convite, mas sua conservação é um dever.
Convocamos todos os nossos apoiadores a se tornarem os “Fiscais da Divers for Sharks” durante sua estada no arquipélago. Sua missão é simples, mas vital: a cada restaurante, quiosque ou barraca de praia que você visitar, verifique o cardápio com atenção. Procure por qualquer menção a “bolinho de tubarão”, “tubalhau”, ou pratos de cação. Pergunte, com educação, sobre a origem dos ingredientes marinhos.
Reporte e Compartilhe para Manter a Vitória Consolidada.
Caso você encontre qualquer indício de que a prática abominável do “tubalhau” tenha retornado, por menor que seja, você deve nos avisar imediatamente. Documente o nome do estabelecimento e o local, tire uma foto discreta do cardápio e entre em contato conosco através dos nossos canais de mídia social ou website oficial. Sua denúncia anônima é o nosso olho mais eficaz em campo. Não podemos permitir que o legado de nossa vitória seja corroído.
O Legado de Noronha Será a Coerência do Santuário.
A história da luta contra o bolinho de tubarão é a história de como a ética e a ciência podem vencer a miopia comercial. É uma prova de que a sociedade civil pode e deve pautar as políticas de conservação. O futuro de Noronha como Santuário depende da nossa vigilância coletiva. Junte-se a nós nesta missão contínua. Mantenha Noronha Livre, para sempre!
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https://www.ambientelegal.com.br/oabrj-discute-criacao-de-santuario-em-fernando-de-noronha
https://oeco.org.br/noticias/ongs-lancam-campanha-contra-venda-de-bolinho-de-tubarao-em-noronha
https://oeco.org.br/reportagens/oab-discute-criacao-de-satuario-em-noronha