O que é a Cites
Lembro como se fosse ontem a primeira Convenção das Partes (COP) da Conferência Internacional de Comércio de Espécies Ameaçadas de flora e fauna (Cites)… Bankok, Tailândia, e o ano era 2013 quando aconteceu a 16° edição.
O nome Cites (Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora) é um pouco feio e ameaçador a meu ver, Trade = comércio, mas a grande verdade é que é uma importantíssima ferramenta internações de proteção de espécies ameaçadas. A Cites é um acordo internacional entre governos. Seu objetivo é garantir que o comércio internacional de espécimes de animais e plantas silvestres não leve espécies à extinção.
Em vigor desde 1975, a parte mais importante da Cites tem sido os seus dois anexos. O Anexo 1 lista as espécies mais ameaçadas e que, conforme decisão da plenária da Convenção, têm o seu comércio internacional proibido. Já o anexo 2 lista espécies que podem vir a ser ameaçadas pelo comércio internacional, e somente podem ser comercializadas por países que comprovem por estudos específicos que não haverá ameaça à espécie em decorrência desse comércio.
Escute aqui um PodCast falando da Cites e tubarões:
Como funciona
Lá no passado, na Cop16 Cites 2013 Bankok, 4 propostas de elasmobrânquios foram levadas à plenaria, e para certa surpresa nossa, todas foram aprovadas!
Nesta convenção existem as delegações dos países, que tendo aderido à conferência, estando com suas taxas em dia e presentes na plenária, tem direito de apresentar propostas, solicitar a palavra para falarem em qualquer proposta, sua ou não, e direito a voto, quando as propostas não são aprovadas ou negadas por consenso, ou seja, por todos na plenária. As delegações dos países, chamadas de partes, tem ainda direito de solicitar voto secreto e de pedir prazo para que as medidas aprovadas sejam executadas internacionalmente.
É obrigação de cada parte criar os instrumentos nacionais para respeitar as propostas constantes nos anexos.
Quem participa
Existem ainda os observadores, Organizações Sociais, as chamadas Organizações não governamentais – ONG, que podem se inscrever e pagam uma taxa a cada edição da Cites como observadores. Estas têm direito a mesa e acento na plenária, atrás das Partes, e tem o direito de pedir a palavra à presidência da mesa, nas propostas que tiver palavras importantes a serem ditas sobre o tema. A Presidência da mesa decide em função de tempo e outras condições se o Observador poderá falar ou se não.
Há ainda os visitantes, que se inscrevem, mas não pagam taxas de participação, não tem mesa nem acento na plenária, mas podem entrar e andar pela conferência, podendo fora dos momentos de plenária conversarem, interagirem e fazerem lobby perante as partes.
A Dives for Sharks tenta sempre participar como Observadora. Nem sempre consegue, visto a taxa costumar ser de US$ 600,00.
Assista à intervenção da Divers for Sharks:
Cop19 Cites 2022 Panamá
Este ano a Divers for Sharks compareceu mais uma vez como observadora. Eu e Mestre Truda, co fundadores da Divers for Sharks, estivemos presentes representando não só a D4S como o Projeto Un Solo Mar e o Instituto Brasileiro de Conservação da Natureza – Ibracon, contando com apoio financeiro da Oceans5 e da SeaLegacy, sem os quais esta missão não teria sido possível. Deixamos aqui então desde já nosso muito obrigado!
Esta edição foi importantíssima para os elasmobranquios mais uma vez, pois entre as propostas de inclusão nos anexos de proteção, constavam 4 de elasmobrânquios, listadas a seguir:
O conjunto destas 4 propostas resulta em mais de 50 tubarões e raias protegidos em uma única edição da Cites, um verdadeiro recorde!
Assista ao resumo do final da conferência aqui:
Mais de 50 tubarões protegidos!
Mais uma vez para minha surpresa, todas as espécies tiveram seus textos aprovados em primeira votação da plenária e posteriormente as propostas em si aprovadas mais uma vez em plenária para os devidos anexos. Durante as votações foi pedido prazo de 12 meses para serem colocadas em exercício, o que se não foi o idea, colocação de imediato, também não foi o pior, 24 meses.
Num total de mais de 50 propostas, estas 4 eram não unicamente as que nos interessava, mas as que a Divers for Sharks tinha expertise para ajudar no processo de aprovação na plenária, visto que Elefantes, hipopótamos e outras tantas espécies tanto animais como vegetais, tiveram sua sobrevivência submetidas aos caprichosos debates e decisões de um coletivo humano, onde poucas vezes o interesse é honesto e transparente, e as decisões costumam se basear em questões comerciais e de lucro.
Como funciona o jogo
Boa parte do nosso trabalho era saber, ou deduzir, os votos de cada uma das partes sobre as propostas, se votariam em prol ou contra a preservação, fazer as contas e tentar reverter votos das propostas que imaginávamos perder.
Como na prática são duas votações: primeiro aprovar o texto da proposta, realizar emendas ou cortes, para então numa segunda votação no final da convenção, aprovar ou reprovar cada uma das propostas consolidadas na primeira votação. Normalmente as propostas aprovadas na primeira votação também passam na segunda, visto haver a necessidade de quorum na plenária e maioria de votos para tentar reverter algo aprovado previamente. Haja matemática e contas nestas horas, para ver se o quorum mudou, se delegações foram embora, chegaram novas, etc.
Momento de suspense
As nações participantes da União Europeia votam em bloco, ou seja, um único voto unificado para todos. Conta com UM voto da UE. Porém em determinado momento da plenária a UE pede a palavra e diz que cada um de seus membros irá votar isoladamente…. nossa que pulo eu dei da minha cadeira e o susto era visível em todos! Ora, se a UE ia deixar de ser UM voto só, para serem por volta de 27 votos individuais, isso mudava todo o jogo do quorum e números da maioria. Com esta nós não contávamos… Momentos de desespero passaram pela cabeça de todos. Mas felizmente esta esquisita e suspeita manobra, para falar o mínimo, não causou nenhum estrago visível ou alterou alguma das propostas que estávamos monitorando. Mas ficou o aprendizado e olho ainda mais aberto nas próximas conferencias.
No fim
São no total duas semanas de conferência, com um final de semana teoricamente livre no meio, como plenárias, grupos de trabalho, reuniões, palestras, apresentações, reuniões dentro e fora da conferência, festas etc e tal. Terminamos eu e Truda esta conferência mais uma vez cansados, desgastados e com vários picos de stress, tenção, pressão alta e tal em nossos prontuários nestes 14 dias, mas também mais uma vez voltamos para casa com a sensação de vitórias para nossos tão amados oceanos e a certeza de que o que poderíamos fazer, fizemos e no final deu certo!
E agora?
Simples: começar os trabalhos para que as mudanças aconteçam dentro do Brasil e já ir também preparando para as próximas edições. E arrecadar para podermos estar presentes mais uma vez!
Quer ajudar? A hora é essa!